O câncer colorretal, que afeta o intestino grosso (cólon e reto), é um dos tipos de câncer mais comuns em homens e mulheres. A cirurgia representa um dos pilares fundamentais do seu tratamento, sendo frequentemente a principal abordagem com intenção curativa, especialmente nos estágios iniciais da doença. No entanto, a indicação e o tipo de cirurgia dependem de uma série de fatores, incluindo a localização exata do tumor, o estágio (quão avançado está), a extensão da doença e as condições gerais de saúde do paciente. É importante lembrar também que o câncer colorretal é um dos poucos que podem ser efetivamente prevenidos, principalmente através da detecção e remoção de pólipos (lesões precursoras) durante exames de colonoscopia, antes que eles tenham a chance de se tornar malignos.
Quando a Cirurgia é Indicada no Câncer Colorretal?
A decisão de operar e qual técnica utilizar é sempre tomada após uma avaliação cuidadosa e individualizada, geralmente por uma equipe multidisciplinar que inclui cirurgiões, oncologistas, radiologistas e patologistas. A cirurgia pode ser indicada em diferentes cenários:
- Tumores Iniciais e Localizados: Para tumores confinados à parede do intestino, a cirurgia para remover a parte afetada do cólon ou reto, juntamente com os linfonodos próximos, é o tratamento padrão com objetivo de cura.
- Tumores Muito Pequenos e Superficiais: Em casos selecionados de tumores muito iniciais, restritos à camada mais superficial da mucosa intestinal, a remoção pode ser feita durante a própria colonoscopia, sem necessidade de cirurgia abdominal.
- Doença Avançada ou Metastática: Mesmo quando o câncer já se espalhou, a cirurgia ainda pode ter um papel. Pode ser usada para aliviar sintomas, como obstrução intestinal, ou, em casos selecionados, para remover metástases localizadas em outros órgãos, como fígado ou pulmões. Em situações específicas de metástases restritas ao peritônio (membrana que reveste a cavidade abdominal), a cirurgia citorredutora (para remover o máximo possível de tumor visível) combinada com quimioterapia pode ser uma opção para pacientes bem selecionados, com potencial curativo em um subgrupo.
Tipos de Procedimentos Cirúrgicos para o Câncer Colorretal
Diversas técnicas cirúrgicas podem ser empregadas, adaptadas à localização e extensão do tumor :
- Remoção por Colonoscopia (Polipectomia/Ressecção Endoscópica): Como mencionado, para pólipos ou tumores muito pequenos e superficiais. Realizada pelo endoscopista durante o exame de colonoscopia.
- Colectomia (ou Retossigmoidectomia/Ressecção Retal): É o termo geral para a remoção cirúrgica de uma parte (parcial) ou de todo (total) o cólon. Quando a remoção envolve o reto, pode ter nomes específicos como retossigmoidectomia ou ressecção anterior do reto. O objetivo é retirar o segmento do intestino contendo o tumor, juntamente com uma margem de tecido saudável e os linfonodos regionais para análise.
- Cirurgia Aberta: Realizada através de uma incisão maior no abdômen.
- Cirurgia Laparoscópica (ou Videolaparoscópica): Técnica minimamente invasiva onde o cirurgião utiliza pequenas incisões (geralmente 3 a 4) para inserir uma câmera de vídeo e instrumentos cirúrgicos longos e finos. A parte doente do intestino é removida através de uma incisão um pouco maior. Esta abordagem oferece vantagens significativas, como menor dor pós-operatória, menor tempo de internação hospitalar, recuperação mais rápida e melhor resultado estético. A videolaparoscopia tornou-se uma técnica utilizada com sucesso na maioria dos pacientes. Essa evolução para técnicas minimamente invasivas representa um foco importante na melhoria da experiência e recuperação do paciente, mantendo os mesmos princípios oncológicos de remoção completa do tumor e análise dos linfonodos.
Entendendo a Necessidade de uma Colostomia ou Ileostomia (Estomas)
Um estoma é uma abertura criada cirurgicamente na parede abdominal para desviar o trânsito intestinal, permitindo que as fezes sejam eliminadas em uma bolsa coletora externa. No contexto do câncer colorretal, um estoma (colostomia, se do cólon; ileostomia, se do intestino delgado) pode ser necessário em algumas situações :
- Temporariamente: Após certas cirurgias de reto, um estoma temporário pode ser criado para proteger a área da emenda intestinal (anastomose) enquanto ela cicatriza. Posteriormente, uma nova cirurgia é realizada para fechar o estoma e restabelecer o trânsito normal.
- Permanentemente: Em alguns casos, principalmente em tumores localizados muito próximos ao ânus que exigem a remoção do esfíncter anal, um estoma permanente pode ser necessário.
- Paliativamente: Em casos de tumores avançados que causam obstrução intestinal e não podem ser removidos, um estoma pode ser criado acima da obstrução para aliviar os sintomas e permitir que o paciente se alimente e elimine as fezes.
É importante desmistificar a ideia de que toda cirurgia colorretal resulta em um estoma permanente. Na maioria dos casos, especialmente com as técnicas modernas, é possível reconectar o intestino.
Cirurgia em Situações Especiais: Doença Disseminada e Pacientes Idosos
O tratamento cirúrgico do câncer colorretal tem se adaptado para cenários mais complexos:
- Doença Disseminada: Além da cirurgia paliativa para obstrução , a remoção cirúrgica de metástases isoladas no fígado ou pulmão é uma prática estabelecida que pode oferecer chance de cura para alguns pacientes. A cirurgia citorredutora para metástases peritoneais é uma opção mais recente para pacientes altamente selecionados.
- Pacientes Idosos (Octogenários): A idade avançada por si só não é mais considerada uma contraindicação absoluta para a cirurgia colorretal eletiva. Um estudo australiano demonstrou que pacientes com 80 anos ou mais, submetidos a cirurgia para câncer colorretal, podem alcançar bons resultados pós-operatórios, com baixa mortalidade em 30 dias (0% no estudo) e manutenção da independência funcional na maioria dos casos (apenas 4,9% de perda de independência). Fatores como o estado funcional pré-operatório (performance status ECOG) e a necessidade prévia de auxílio para locomoção foram mais preditivos de perda de independência do que a idade cronológica isolada. Isso demonstra uma evolução na avaliação geriátrica e nos cuidados perioperatórios, permitindo oferecer tratamento cirúrgico seguro e eficaz a uma população mais ampla, focando na condição funcional do paciente.
A Recuperação Após a Cirurgia Colorretal
O período de recuperação varia conforme o tipo de cirurgia realizada (aberta vs. laparoscópica), a extensão do procedimento e as condições individuais do paciente. A cirurgia laparoscópica geralmente permite uma recuperação mais rápida. O suporte de uma equipe multidisciplinar, incluindo nutricionistas, fisioterapeutas e psicólogos, é fundamental para auxiliar na recuperação física e emocional. Após a cirurgia e a recuperação inicial, o acompanhamento médico regular é crucial para monitorar possíveis recidivas da doença e manejar quaisquer efeitos a longo prazo do tratamento.