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Câncer de Tireoide: Entendendo a Cirurgia (Tireoidectomia) e Novas Abordagens

A tireoide, uma pequena glândula em forma de borboleta localizada na base do pescoço, pode ser acometida por nódulos, que em sua maioria são benignos. No entanto, alguns nódulos podem ser cancerígenos, exigindo tratamento específico. A cirurgia para remover a tireoide, conhecida como tireoidectomia, é considerada o principal tratamento para a maioria dos tipos de câncer de tireoide. É importante notar que nem todo nódulo tireoidiano requer cirurgia; muitos podem ser apenas acompanhados clinicamente com exames periódicos. A cirurgia torna-se indicada quando há suspeita de malignidade (baseada em exames como ultrassonografia e biópsia por punção) ou quando um nódulo, mesmo benigno, causa sintomas compressivos ou alterações estéticas significativas.  

Quando a Cirurgia de Tireoide é Indicada?

A tireoidectomia é o tratamento primário para cânceres que se originam na própria glândula. As principais indicações incluem :  

  • Carcinomas Bem Diferenciados: São os tipos mais comuns de câncer de tireoide (papilífero e folicular) e geralmente têm excelente prognóstico quando tratados adequadamente com cirurgia.
  • Carcinoma Medular: Um tipo menos comum, mas que pode exigir uma cirurgia mais extensa, incluindo a remoção de linfonodos do pescoço (esvaziamento cervical), mesmo que não pareçam aumentados.
  • Carcinoma Anaplásico (ou Indiferenciado): Um tipo raro e muito agressivo, onde a cirurgia pode ter um papel limitado, mas pode ser considerada em casos selecionados.
  • Disseminação para Linfonodos: Se o câncer já se espalhou para os gânglios linfáticos do pescoço, a remoção cirúrgica desses linfonodos (linfadenectomia ou esvaziamento cervical) é realizada juntamente com a tireoidectomia.

Tireoidectomia Total vs. Parcial (Lobectomia): Qual a Diferença?

Existem basicamente dois tipos de tireoidectomia :  

  1. Tireoidectomia Total: Remoção completa de toda a glândula tireoide. É a técnica mais frequentemente utilizada para tratar tumores malignos, garantindo a remoção de todo o tecido tireoidiano potencialmente afetado.
  2. Tireoidectomia Parcial (Lobectomia ou Hemitiroidectomia): Remoção de apenas um dos lobos da tireoide (aquele que contém o tumor), geralmente junto com o istmo (a ponte de tecido que une os dois lobos). Pode ser uma opção para tumores menores, bem diferenciados e confinados a um único lobo, sem sinais de disseminação.

A escolha entre a tireoidectomia total ou parcial depende de vários fatores, como o tipo histológico do câncer, tamanho do tumor, presença de múltiplos focos, invasão de tecidos adjacentes, disseminação para linfonodos e características individuais do paciente.

Iodo Radioativo Após a Cirurgia: É Sempre Necessário?

Após a tireoidectomia total para câncer de tireoide diferenciado, era prática comum administrar iodo radioativo (I-131, também chamado de radioiodoterapia ou RAI). O objetivo era eliminar quaisquer células tireoidianas remanescentes (normais ou cancerígenas) que pudessem ter ficado após a cirurgia, reduzindo o risco de recorrência. No entanto, essa indicação tem sido cada vez mais questionada, especialmente para pacientes classificados como de baixo risco de recorrência.  

Um importante estudo clínico randomizado de Fase III, chamado ESTIMABL2, comparou diretamente a administração de iodo radioativo versus apenas observação após tireoidectomia total em pacientes com câncer de tireoide diferenciado de baixo risco. O estudo acompanhou os pacientes por 3 anos, avaliando um desfecho composto que incluía anormalidades funcionais (captação de iodo fora do leito tireoidiano), biológicas (elevação de marcadores tumorais como tireoglobulina) e estruturais (alterações na ultrassonografia do pescoço). Os resultados foram claros: não houve diferença significativa na ocorrência desses eventos entre o grupo que recebeu iodo radioativo e o grupo que foi apenas observado. A análise estatística confirmou que a observação não foi inferior ao tratamento com iodo radioativo para esses pacientes de baixo risco. Este estudo fornece evidência robusta para apoiar uma abordagem mais conservadora, omitindo o iodo radioativo em muitos pacientes de baixo risco, evitando assim potenciais efeitos colaterais, custos e inconvenientes associados a essa terapia.  

Vigilância Ativa: Uma Alternativa à Cirurgia Imediata para Tumores de Baixo Risco?

Indo um passo além na desintensificação do tratamento, a vigilância ativa (VA, ou Active Surveillance – AS) tem emergido como uma alternativa à cirurgia imediata para pacientes selecionados com carcinoma papilífero de tireoide de muito baixo risco (geralmente microcarcinomas, menores que 1 cm, confinados à tireoide). A ideia é monitorar de perto o tumor com ultrassonografias periódicas e intervir cirurgicamente apenas se houver sinais de crescimento significativo ou progressão.

Um estudo prospectivo realizado nos EUA avaliou a viabilidade da VA, inclusive com parâmetros expandidos (permitindo tumores de até 20 mm em casos selecionados), comparando pacientes que optaram pela VA com aqueles que escolheram a cirurgia imediata. Os resultados foram encorajadores para a VA: a grande maioria (90,1%) dos pacientes que escolheram a VA permaneceu nessa estratégia durante o acompanhamento médio de 3 anos. Muitos tumores (41%) até diminuíram de tamanho, e nenhum paciente no grupo de VA desenvolveu metástases regionais ou à distância. O crescimento tumoral que levaria à indicação de cirurgia ocorreu em apenas uma pequena porcentagem dos casos (3,6%).  

Um achado particularmente interessante foi relacionado à ansiedade: os pacientes que optaram pela cirurgia imediata apresentaram níveis de ansiedade significativamente mais altos no início do estudo em comparação com os pacientes em VA, e essa diferença persistiu mesmo após a cirurgia. Isso sugere que, para alguns pacientes, conviver com um câncer de baixo risco sob monitoramento pode ser menos angustiante do que passar por uma cirurgia imediata. O estudo conclui que a VA é uma estratégia viável para muitos cânceres de tireoide de baixo risco, mas ressalta a importância fundamental da tomada de decisão compartilhada entre médico e paciente, considerando não apenas os dados clínicos, mas também as preferências e o perfil psicológico do paciente.  

A combinação dos resultados do ESTIMABL2 (questionando o RAI adjuvante) e dos estudos de vigilância ativa (questionando a cirurgia imediata) aponta para uma mudança significativa no manejo do câncer de tireoide de baixo risco. Há uma tendência clara de evitar o sobretratamento, adaptando a intensidade da intervenção ao risco real da doença, o que requer uma estratificação de risco cuidadosa e uma comunicação transparente com o paciente.  

Técnicas Cirúrgicas Modernas e Recuperação

A cirurgia de tireoide padrão é realizada em centro cirúrgico, sob anestesia geral, e dura em média duas horas. A incisão tradicional é feita na base do pescoço, resultando em uma cicatriz geralmente discreta. Buscando melhores resultados estéticos, técnicas minimamente invasivas foram desenvolvidas, como a tireoidectomia transvestibular, na qual a incisão é feita por dentro da boca, na região do lábio inferior, não deixando cicatrizes visíveis no pescoço. A recuperação da tireoidectomia costuma ser relativamente rápida, mas requer acompanhamento médico para ajuste da reposição hormonal (necessária após tireoidectomia total) e monitoramento de possíveis complicações, como alterações na voz ou nos níveis de cálcio.