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Cirurgia Oncológica Ginecológica: Avanços e Abordagens Multidisciplinares

Os cânceres ginecológicos, que afetam os órgãos reprodutivos femininos como ovários, útero, colo do útero, vulva e vagina, representam um desafio significativo para a saúde da mulher. A cirurgia desempenha um papel central no tratamento da maioria desses tumores, podendo ser utilizada com intenção curativa, para estadiamento (determinar a extensão da doença) ou para aliviar sintomas. Dada a complexidade desses cânceres e a variedade de tratamentos disponíveis (que podem incluir quimioterapia, radioterapia e terapias-alvo), uma abordagem multidisciplinar é essencial. A colaboração entre cirurgiões oncológicos, oncologistas clínicos, radioterapeutas, patologistas, radiologistas e outros profissionais de saúde é crucial para definir o melhor plano terapêutico para cada paciente, visando otimizar as chances de sucesso e a qualidade de vida.  

Principais Tipos de Cirurgia em Ginecologia Oncológica

O tipo de cirurgia indicada varia enormemente dependendo do órgão afetado, do tipo histológico do tumor e do estágio da doença. Alguns dos procedimentos mais comuns incluem:

  • Histerectomia: Remoção cirúrgica do útero. Pode ser indicada para câncer de endométrio (corpo do útero) e câncer de colo do útero. No contexto do câncer de colo do útero em estágio inicial, a histerectomia radical (remoção do útero, colo do útero, parte superior da vagina e tecidos adjacentes) é frequentemente realizada antes de tratamentos complementares, como a quimiorradioterapia. A histerectomia pode ser realizada por via aberta (incisão abdominal), laparoscópica ou robótica.  
  • Ooforectomia (ou Ooforosalpingectomia): Remoção de um ou ambos os ovários (e trompas de Falópio). É o procedimento central no tratamento cirúrgico do câncer de ovário e também pode ser realizada preventivamente em mulheres com alto risco genético ou como parte do tratamento de outros cânceres ginecológicos.
  • Traquelectomia: Remoção do colo do útero, preservando o corpo uterino. Pode ser uma opção para mulheres jovens com câncer de colo do útero em estágio inicial que desejam preservar a fertilidade.
  • Cirurgia Citorredutora (Debulking): Procedimento fundamental no tratamento do câncer de ovário avançado. O objetivo é remover o máximo possível de tumor visível dentro da cavidade abdominal. A capacidade de alcançar uma citorredução completa (sem doença residual visível) é um dos fatores prognósticos mais importantes.  
  • Linfadenectomia: Remoção dos linfonodos pélvicos e/ou para-aórticos para verificar se o câncer se espalhou para eles. É parte importante do estadiamento e tratamento de vários cânceres ginecológicos.

Foco na Cirurgia de Câncer de Ovário: Citorredução e Equipe Multidisciplinar

O câncer de ovário é frequentemente diagnosticado em estágios avançados, tornando a cirurgia citorredutora um componente crítico do tratamento inicial. Estudos têm demonstrado de forma consistente que o sucesso dessa cirurgia está diretamente ligado à experiência da equipe cirúrgica e à infraestrutura do hospital. Uma pesquisa recente destacou o impacto de uma abordagem cirúrgica multiprofissional intraoperatória: a implementação dessa estratégia levou a um aumento significativo na taxa de ressecção macroscópica completa (remoção de todo tumor visível), que subiu de 58,9% para 78,7%. Essa melhora na qualidade da cirurgia se traduziu em um benefício impressionante na sobrevida das pacientes, com a taxa de mortalidade em três anos caindo drasticamente de 64,5% para 24% no grupo que recebeu a abordagem multidisciplinar.  

A cirurgia também pode ter um papel na recidiva do câncer de ovário. Uma subanálise do estudo DESKTOP III investigou o benefício da cirurgia citorredutora na segunda recidiva para pacientes que não haviam sido operadas na primeira recidiva. Os resultados sugeriram que, em pacientes cuidadosamente selecionadas e operadas em centros especializados, a cirurgia na segunda recidiva pode ser benéfica, alcançando ressecção completa em 60% dos casos e proporcionando uma sobrevida global mediana de 54 meses após o procedimento. No entanto, por se tratar de uma subanálise e pela complexidade da seleção dessas pacientes, a cirurgia na recidiva não é considerada rotina, mas sim uma opção a ser discutida individualmente em centros com expertise. Esses achados reforçam que a otimização dos resultados no câncer de ovário depende fortemente da colaboração integrada de uma equipe multidisciplinar experiente, capaz de realizar procedimentos complexos e tomar decisões terapêuticas personalizadas.  

Cirurgia no Câncer de Colo do Útero: Contextos e Técnicas

Para o câncer de colo do útero em estágios iniciais (IA2, IB, IIA), a histerectomia radical é um tratamento primário comum. Conforme demonstrado no estudo GOG-0724, essa cirurgia pode ser realizada por diferentes vias: aberta (56% das pacientes no estudo), laparoscópica (23%) ou robótica (22%). Após a cirurgia, pacientes com fatores de alto risco (como linfonodos positivos ou comprometimento do paramétrio) geralmente recebem tratamento adjuvante com quimiorradioterapia (CRT). O estudo GOG-0724 investigou se adicionar quimioterapia sistêmica após a CRT traria benefícios adicionais para essas pacientes de alto risco já operadas. Os resultados mostraram que a adição de quimioterapia adjuvante não melhorou a sobrevida livre de doença ou a sobrevida global nesse cenário específico.  

Preservação da Fertilidade em Pacientes Oncológicas: Um Desafio Crescente

Uma questão cada vez mais relevante na oncologia ginecológica é a preservação da fertilidade. Com mulheres postergando a maternidade e um aumento no diagnóstico de certos cânceres (como o de endométrio) em pacientes mais jovens, a discussão sobre a possibilidade de ter filhos após o tratamento do câncer tornou-se fundamental. Antes, a oncofertilidade raramente era pauta; hoje, é uma discussão considerada obrigatória sempre que possível.  

A abordagem deve ser altamente individualizada, levando em conta o tipo e estágio do tumor, a idade da paciente, seu desejo reprodutivo e os riscos oncológicos envolvidos. Uma equipe interdisciplinar é essencial para avaliar cada caso e discutir as opções disponíveis, que podem incluir cirurgias conservadoras (como a traquelectomia no câncer de colo do útero inicial) ou técnicas de reprodução assistida (como o congelamento de óvulos antes do início da quimioterapia ou radioterapia). É crucial que a paciente receba informações claras sobre os riscos, benefícios, taxas de sucesso e limitações de cada estratégia, para que possa tomar uma decisão informada e alinhada com seus valores e planos de vida. Essa mudança de foco, que vai além da simples erradicação da doença para incluir a qualidade de vida futura e os desejos reprodutivos, representa uma evolução importante no cuidado oncológico centrado na paciente, exigindo comunicação sensível e planejamento cuidadoso.  

Cirurgia Minimamente Invasiva em Ginecologia Oncológica

Assim como em outras áreas da cirurgia oncológica, as técnicas minimamente invasivas (laparoscopia e cirurgia robótica) ganharam espaço na ginecologia. Como visto no estudo GOG-0724, uma parcela significativa das histerectomias radicais para câncer de colo do útero já é realizada por essas vias. Essas abordagens geralmente oferecem benefícios como menor dor, recuperação mais rápida e melhor resultado estético. No entanto, a escolha da via cirúrgica deve sempre considerar a segurança oncológica e a capacidade de realizar o procedimento adequado para cada tipo e estágio de tumor.